sábado, 22 de novembro de 2014

Direito Penal. Concurso de Crimes: crime continuado. (parte 2)


A.1.3 CRIME CONTINUADO


Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do Art. 75 deste Código.

Conceito: ocorre o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os subsequentes, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como continuação do primeiro. São diversas ações, cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como um crime único.

Natureza jurídica: duas teorias principais buscam explicar o fundamento do crime continuado.

a)      Teoria da unidade real (ou da realidade) — Para essa teoria os vários comportamentos lesivos do agente constituem efetivamente um crime único, uma vez que traduzem uma unidade de intenção que se reflete na unidade de lesão. Crime continuado como um único delito sempre e para qualquer efeito ou consequência.

b)     Teoria da ficção jurídicaexclusivamente para o efeito da pena, todos os crimes seriam um só. Admite que a unidade delitiva é uma criação da lei, pois na realidade existem vários delitos.

Nosso Código Penal adotou a teoria da ficção jurídica, para fins exclusivos de aplicação da pena, visando atenuar a sanção penal, atento à política criminal que inspirou o instituto.

O Código Penal tem um artigo que demonstra claramente que o Brasil adotou a ficção jurídica. Ou seja, o CP considera um só crime para a pena, para as demais consequêbcias analisa-se cada crime isoladamente.  Veja-se:

 

Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

 

Espécies de crime continuado: Crime continuado genérico (art. 71, caput) e Crime continuado específico (art. 71, § único).

 

 

A.1.3.1 - CRIME CONTINUADO GENÉRICO

 

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Requisitos: (1) pluralidade de condutas; (2) pluralidade de crimes da mesma espécie; e (3) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes.

 

(1)   Pluralidade de condutas: tal como no concurso material, o crime continuado reclama uma pluralidade de condutas, o que não se confunde com a mera pluralidade de atos.

 

(2)   Pluralidade de crimes da mesma espécie: STJ (posição amplamente consolidada) crimes da mesma espécie são aqueles tipificados pelo mesmo dispositivo legal, consumados ou tentados, seja na forma simples, privilegiada ou qualificada. STF: acrescenta que os crimes precisam possuir a mesma estrutura jurídica, ou seja, serem idênticos os bens jurídicos tutelados. Nesse sentido, roubo e latrocínio, embora previstos no art. 157, CP, não são crimes da mesma espécie. Também afastou o Supremo a continuidade delitiva em relação ao furto e ao roubo.

 

(3)   Condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes:

 

a.       Conexão temporal: elo de continuidade. STF consagrou um critério objetivo, pelo qual entre um crime parcelar e outro não pode transcorrer um hiato superior a 30 dias. Excepcionalmente, em ação penal pela prática de crime contra a ordem tributária, o Supremo admitiu a continuidade delitiva com intervalo temporal de até 3 meses entre as condutas.

 

b.      Conexão espacial: jurisprudência majoritária firmou entendimento de que os diversos delitos devem ser praticados na mesma cidade, ou no máximo, em cidade contiguas, próximas de si.

 

c.       Conexão modal: semelhança entre a maneira de execução. Mesmo modus operandi. O agente deve sempre seguir um padrão análogo em suas diversas condutas.

 

d.      Conexão ocasional: admitida por parcela da doutrina e da jurisprudência, em razão de admitir o Art. 71, caput, do CP, “outras [condições] semelhantes”. O agente para executar os crimes posteriores, deve se valer da ocasião proporcionada pelo crime anterior.

 

Obs:

 

1.      STF Súmula nº 605 - DJ de 31/10/1984 - Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida.

Essa súmula não se aplica mais, pois que anterior à reforma da Parte Geral de 1984, que inseriu o § único ao art. 71, admitindo continuidade delitiva nos crimes contra a vida: dolosos com violência.

 

2.      Crime continuado e unidade de desígnio: todos esses crimes tem que fazer parte de um plano? Ou não, podem ocorrer aleatoriamente uma vez que o agente obedeça às condições objetivas (tempo, lugar e modo de execução).

 

a.       1ª Corrente:“Para Zaffaroni, além dos requisitos acima, é imprescindível que os vários crimes resultem de plano previamente elaborado pelo agente (Teoria Objetivo-subjetiva).” Essa primeira corrente é a dominante no âmbito jurisprudencial e parece ter sido a corrente adotada pelo Código Penal. Art. 71, caput, CP: “devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro,” Corrente utilizada em concursos que exigem uma postura mais rigorosa.

b.      2ª Corrente: “Para LFG, Nelson Hungria, José Frederico Marques, a unidade de desígnio não faz parte dos requisitos do crime continuado, acolhendo-se a Teoria Objetiva Pura (bastando a presença dos requisitos acima).”

 

Regras de fixação da pena: sistema da exasperação. Crime continuado simples ou comum é aquele em que as penas dos delitos parcelares são idênticas. Aplica-se a pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3. Crime continuado qualificado, as penas dos crimes são diferentes. Aplica-se a pena do crime mais grave, exasperada de 1/6 a 2/3. STF Em ambas as situações, o vetor para o aumento da pena entre 1/6 e 2/3 é o número de crimes, exclusivamente.

 

A.1.3.2 - CRIME CONTINUADO ESPECÍFICO

  

Art. 71, Parágrafo único, CP - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do Art. 75 deste Código.

Requisitos: são os mesmos do continuado genérico e mais os seguintes:

 

ü  Tem que estar diante de crimes dolosos. E mais:

ü  Praticados contra vítimas diferentes.

ü  Cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.

 

Regra de fixação da pena: sistema da exasperação. A lei não indica o percentual mínimo, mas somente o máximo (até o triplo). Mas, em sintonia com o caput, deve ser utilizado o mínimo de 1/6 (STF).

Exemplo: 4 roubos em continuidade delitiva. Para efeito da pena, trabalha-se com apenas um roubo. E sobre este único roubo aplica-se o critério trifásico, em que, na terceira fase, irá exasperar a pena intermediária até o triplo. Causa de aumento de pena aplica-se na terceira fase do critério de fixação do cálculo da reprimenda (pena intermediária multiplicada por 3, chegando ao quantum definitivo da pena).

Observe a parte final do § único, do art. 71, “observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do Art. 75 deste Código.”

Cuidado com o cúmulo material benéfico. A pena do crime continuado não pode exceder a que seria resultante do concurso material. E mais, a execução da pena não pode suplantar 30 anos.

 

OBS:

1. Crime continuado e conflito de leis no tempo: a lei mais gravosa que sobrevier durante a continuidade deve ser aplicada a toda a série delitiva.

STF Súmula nº 711 - DJ de 13/10/2003 - A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

2. Crime continuado e prescrição:

STF Súmula nº 711 – Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

3. Crime continuado e suspensão condicional do processo:

STF Súmula nº 723 - DJ de 11/12/2003 – Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.

4. Crime continuado em comarcas vizinhas e julgamentos distintos sem considerar a continuidade delitiva:  duas condenações por crimes praticados em continuidade delitiva, caso em que o juiz da execução fará a unificação das penas.

Art. 66, III, LEP - Compete ao juiz da execução: III - decidir sobre: a) soma ou unificação de penas;

5. Crime continuado e crime habitual: diferenças.  No crime continuado, por ficção jurídica, vários delitos são legalmente considerados como um só, para fins de aplicação da pena. Crime habitual é aquele em que cada ato isolado representa um indiferente penal. O crime somente se aperfeiçoa quando a conduta é reiteradamente praticada pelo agente.

6. O concurso de crimes é moderado ou limitado, em virtude do teto máximo de 30 anos para cumprimento de pena privativa de liberdade.

7. Concurso de crimes e competência dos Juizados Especiais: STJ a pena considerada para fins de fixação de competência do JECrim será o resultado da soma, no caso de concurso material ou de concurso formal impróprio/imperfeito, ou da exasperação, na hipótese de concurso formal próprio/perfeito ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. Se desse somatório resultar um apenamento superior a dois anos, fica afastada a competência do JECrim.


8. Concurso de crime e contravenções penais: o CP fala em concurso de infrações, gênero, do qual são espécies o crime e a contravenção penal. Lembrando que, no caso de concurso entre crimes e contravenções penais, cumpre-se incialmente a pena privativa de liberdade inerente ao crime, de maior gravidade, e, depois, a pena de prisão simples correspondente à contravenção penal.

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