A.1.3 CRIME CONTINUADO
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais
de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de
um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em
qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes
dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à
pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do
Art. 75 deste Código.
Conceito:
ocorre o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os
subsequentes, pelas condições de tempo,
lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como
continuação do primeiro. São diversas ações, cada uma em si mesma criminosa,
que a lei considera, por motivos de política criminal, como um crime único.
Natureza jurídica:
duas teorias principais buscam explicar o fundamento do crime continuado.
a)
Teoria
da unidade real (ou da realidade) — Para essa teoria os
vários comportamentos lesivos do agente constituem efetivamente um crime único, uma vez que traduzem uma unidade
de intenção que se reflete na unidade de lesão. Crime continuado como um único
delito sempre e para qualquer efeito ou consequência.
b)
Teoria
da ficção jurídica — exclusivamente
para o efeito da pena, todos os crimes seriam um só. Admite que a unidade
delitiva é uma criação da lei, pois na realidade existem vários delitos.
Nosso Código Penal adotou a teoria da ficção jurídica,
para fins exclusivos de aplicação da pena, visando atenuar a sanção penal,
atento à política criminal que inspirou o instituto.
O Código Penal tem um
artigo que demonstra claramente que o Brasil adotou a ficção jurídica. Ou seja,
o CP considera um só crime para a pena, para as demais consequêbcias analisa-se
cada crime isoladamente. Veja-se:
Art.
119 - No caso de
concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada
um, isoladamente.
Espécies de crime continuado: Crime
continuado genérico (art. 71, caput) e Crime continuado específico (art. 71, §
único).
A.1.3.1 - CRIME CONTINUADO GENÉRICO
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais
de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de
um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em
qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Requisitos: (1)
pluralidade de condutas; (2) pluralidade de crimes da mesma espécie; e (3)
condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes.
(1)
Pluralidade de
condutas:
tal como no concurso material, o crime continuado reclama uma pluralidade de
condutas, o que não se confunde com a mera pluralidade de atos.
(2)
Pluralidade de crimes
da mesma espécie:
STJ (posição amplamente consolidada) crimes
da mesma espécie são aqueles tipificados pelo mesmo dispositivo legal,
consumados ou tentados, seja na forma simples, privilegiada ou qualificada. STF: acrescenta que os crimes precisam possuir
a mesma estrutura jurídica, ou seja, serem idênticos os bens jurídicos
tutelados. Nesse sentido, roubo
e latrocínio, embora previstos no art. 157, CP, não são crimes da mesma
espécie. Também afastou o Supremo a continuidade delitiva em relação ao furto e
ao roubo.
(3)
Condições
semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes:
a.
Conexão temporal: elo de continuidade. STF consagrou um critério objetivo, pelo
qual entre um crime parcelar e outro não pode transcorrer um hiato superior a
30 dias. Excepcionalmente, em ação penal pela prática de crime contra a ordem
tributária, o Supremo admitiu a continuidade delitiva com intervalo temporal de
até 3 meses entre as condutas.
b.
Conexão espacial: jurisprudência majoritária
firmou entendimento de que os diversos delitos devem ser praticados na mesma
cidade, ou no máximo, em cidade contiguas, próximas de si.
c.
Conexão modal: semelhança entre a maneira de execução. Mesmo modus operandi. O agente deve sempre seguir um padrão análogo em
suas diversas condutas.
d.
Conexão ocasional: admitida por parcela da
doutrina e da jurisprudência, em razão de admitir o Art. 71, caput, do CP,
“outras [condições] semelhantes”. O agente para executar os crimes posteriores,
deve se valer da ocasião proporcionada pelo crime anterior.
Obs:
1.
STF Súmula nº 605 - DJ de 31/10/1984 - Não se admite continuidade delitiva nos crimes
contra a vida.
Essa
súmula não se aplica mais, pois que anterior à reforma da Parte Geral de 1984,
que inseriu o § único ao art. 71, admitindo continuidade delitiva nos crimes
contra a vida: dolosos com violência.
2.
Crime continuado
e unidade de desígnio:
todos esses crimes tem que fazer parte de um plano? Ou não, podem ocorrer
aleatoriamente uma vez que o agente obedeça às condições objetivas (tempo,
lugar e modo de execução).
a.
1ª Corrente:“Para Zaffaroni, além dos requisitos acima,
é imprescindível que os vários crimes resultem de plano previamente elaborado
pelo agente (Teoria
Objetivo-subjetiva).” Essa primeira corrente é a dominante no
âmbito jurisprudencial e parece ter sido a corrente adotada pelo Código Penal.
Art. 71, caput, CP: “devem os subsequentes ser havidos como continuação
do primeiro,” Corrente
utilizada em concursos que exigem uma postura mais rigorosa.
b.
2ª Corrente: “Para LFG, Nelson Hungria, José Frederico
Marques, a unidade de desígnio não faz parte dos requisitos do crime
continuado, acolhendo-se a Teoria Objetiva
Pura (bastando a presença dos requisitos acima).”
Regras de fixação da
pena:
sistema da exasperação. Crime continuado
simples ou comum é aquele em que as penas dos delitos parcelares são
idênticas. Aplica-se a pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3. Crime continuado qualificado, as penas
dos crimes são diferentes. Aplica-se a pena do crime mais grave, exasperada de
1/6 a 2/3. STF Em ambas as situações, o vetor
para o aumento da pena entre 1/6 e 2/3 é o número de crimes, exclusivamente.
A.1.3.2 - CRIME CONTINUADO ESPECÍFICO
Art. 71, Parágrafo único, CP - Nos crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência
ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, aumentar
a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do Art. 75
deste Código.
Requisitos:
são os mesmos do continuado genérico
e mais os seguintes:
ü Tem
que estar diante de crimes dolosos.
E mais:
ü Praticados
contra vítimas diferentes.
ü Cometidos
com violência ou grave ameaça à pessoa.
Regra de fixação da
pena:
sistema da exasperação. A lei não indica o percentual mínimo, mas somente o
máximo (até o triplo). Mas, em sintonia com o caput, deve ser utilizado o mínimo de 1/6 (STF).
Exemplo:
4 roubos em continuidade delitiva. Para efeito da pena, trabalha-se com apenas
um roubo. E sobre este único roubo aplica-se o critério trifásico, em que, na
terceira fase, irá exasperar a pena intermediária até o triplo. Causa de aumento de pena aplica-se na terceira
fase do critério de fixação do cálculo da reprimenda (pena intermediária
multiplicada por 3, chegando ao quantum
definitivo da pena).
Observe a parte final
do § único, do art. 71, “observadas as regras do parágrafo único do
Art. 70 e do Art. 75 deste Código.”
Cuidado com o cúmulo material benéfico. A pena
do crime continuado não pode exceder a que seria resultante do concurso
material. E mais, a execução da pena não pode suplantar 30 anos.
OBS:
1. Crime continuado
e conflito de leis no tempo: a lei mais gravosa que sobrevier durante a
continuidade deve ser aplicada a toda a série delitiva.
STF
Súmula nº 711
- DJ de 13/10/2003 - A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao
crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.
2. Crime continuado
e prescrição:
STF
Súmula nº 711 – Quando
se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na
sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.
3. Crime continuado
e suspensão condicional do processo:
STF
Súmula nº 723
- DJ de 11/12/2003 – Não se admite a suspensão condicional do processo por
crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento
mínimo de um sexto for superior a um ano.
4. Crime continuado
em comarcas vizinhas e julgamentos distintos sem considerar a continuidade
delitiva: duas condenações por
crimes praticados em continuidade delitiva, caso em que o juiz da execução fará
a unificação das penas.
Art.
66, III, LEP
- Compete ao juiz da execução: III -
decidir sobre: a) soma ou unificação
de penas;
5. Crime continuado
e crime habitual: diferenças. No
crime continuado, por ficção jurídica, vários delitos são legalmente
considerados como um só, para fins de aplicação da pena. Crime habitual é
aquele em que cada ato isolado representa um indiferente penal. O crime somente
se aperfeiçoa quando a conduta é reiteradamente praticada pelo agente.
6. O concurso de
crimes é moderado ou limitado, em virtude do teto máximo de 30 anos para
cumprimento de pena privativa de liberdade.
7. Concurso de
crimes e competência dos Juizados Especiais: STJ
a pena considerada para fins de fixação de competência do JECrim será o
resultado da soma, no caso de concurso material ou de concurso formal
impróprio/imperfeito, ou da exasperação, na hipótese de concurso formal
próprio/perfeito ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos.
Se desse somatório resultar um apenamento superior a dois anos, fica afastada a
competência do JECrim.
8. Concurso de crime
e contravenções penais: o CP fala em concurso de infrações, gênero, do qual
são espécies o crime e a contravenção penal. Lembrando que, no caso de concurso
entre crimes e contravenções penais, cumpre-se incialmente a pena privativa de
liberdade inerente ao crime, de maior gravidade, e, depois, a pena de prisão
simples correspondente à contravenção penal.